segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Comunicadores como agricultores

Por  Emiliana Pomarico Ribeiro
emiliana@aberje.com.br 

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O ano tem tempo para a semeadura, para o cultivo e para a colheita. Tempo para as flores e tempo para os frutos. Tempo certo. Necessário para cuidados e dedicações constantes. Momento para a fertilização da terra, para a formação de raízes fortes e estruturações resistentes. Tempo para o surgimento do verde e das pétalas em cores. A espera é imprescindível, sem pressa. Algumas flores caem, outras secam, outras são levadas pelo vento, mas algumas se pegam aos galhos e se transformam em frutos – prósperos e férteis - que poderão sustentar o mundo.

O tempo necessário para semear narrativas, palavras e ideias, e cultivar relacionamentos também precisa ser respeitado. Mesmo nesta sociedade impaciente e apressada, em que as brevidades e o curto prazo prevalecem, é preciso tempo - com cuidados e dedicações constantes - para colher fidelidade, confiança e compromissos mútuos. Afinal, estes frutos são “laços sociais que levam tempo para surgir, enraizando-se devagar nas fendas e brechas das instituições” (SENNETT, 2010, p.24).

Estas lealdades frutificadas são as responsáveis pela multiplicação e contínua renovação e rememoração, seja dos momentos vividos pelo público interno de uma empresa, seja das experiências de consumidores com uma marca e seus serviços, ou dos próprios afetos cultivados pela comunicação e pelo relacionamento em longo prazo.

Mas quando é possível o “longo prazo”? O tempo moderno, as tecnologias e a velocidade da vida no dia a dia fazem com que o curto prazo seja a regra. O foco constante em obrigações formais pontuais e o senso objetivo limitam o amadurecimento da confiança, secam os laços de lealdade e murcham as relações sociais duráveis, que não conseguem criar raízes fortes o suficiente e acabam se extinguindo rapidamente.

 “Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? (...) Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de uma identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos?” (SENNETT, 2010, p.27). Como semear a comunicação e cultivar os relacionamentos por longo prazo, para que eles criem fortes raízes de fidelização e confiança? Como permitir que as comunicações se desenvolvam sem que as narrativas murchem ou sejam levadas pelo vento? Como cuidar para que os frutos germinem, carregados das sementes multiplicadoras, capazes de sustentar o mundo dos públicos com identidades, histórias, memórias e afetos?

Primeiro é preciso trabalhar o campo. Palavras, ideias e conceitos não podem ser lançados em quaisquer momento e lugar, sem preparo algum. Os públicos da comunicação são como os campos a serem cultivados. Eles precisam estar preparados para receber as sementes comunicativas. Além disso, existem diferentes tipos de campos e para cada um deles, há uma semente que se faz a mais adequada.

Deve-se também tentar driblar as pedras nestes campos. Duras, obstinadas e fechadas a novas ideias, dificilmente se mexerão para a concretização dos planos comunicacionais e mesmo que nelas germine algo, não serão capazes de criar fortes raízes. Tampouco podem haver ervas daninhas, embaraçadas, inquietas e sem focos definidos, que espontaneamente se dispersam, e se desesperam, sufocando a produtividade e podendo interferir negativamente com qualquer ação de comunicação1.

Por isso, é preciso conhecer os tipos dos campos e trabalhar com suas possíveis pedras e ervas daninhas. Preparados os campos, as sementes comunicativas poderão germinar com fecundidade e abundância até atingir seus desígnios, gerando vida nos corações e mentes dos públicos. Assim, é imprescindível termos em mente com qual tipo de campo estamos lidando e quanta resistência nossas sementes vão enfrentar. Só assim podemos escolher o tipo de semente mais adequado à situação.

Após a semeadura vem o cultivo. A semente comunicativa não deve ser deixada isolada como se apenas esse único contato tivesse a capacidade mágica de vencer todas as barreiras do ambiente. O comunicador precisa regar as mentes e corações com as narrativas de valores e de conceitos que permitirão que os públicos compreendam as necessidades e importâncias da comunicação, para que absorvam e acolham essas sementes, acreditando nos frutos que delas brotarão.
O cultivo é o tempo investido e dedicado ao crescimento e fortalecimento das relações e de suas raízes. Adubar com experiências que enriqueçam a capacidade das pessoas de transformar suas atitudes, crenças e pensamentos em narrativas sustentáveis a favor do objetivo final deles próprios e da empresa. Relacionamento de longo prazo necessário para o florescimento e a frutificação das lealdades, dos comprometimentos e das confianças a serem colhidas.

Por fim, a colheita. Ela deve ser cuidadosa, pois representa tanto a consequência do trabalho de comunicação, como também a renovação de seu ciclo. Responsável tanto pela alimentação e sustento das narrativas maduras, quanto pela sua própria multiplicação, proporcionada pelas suas novas sementes. A frutificação das lealdades e comprometimentos sugere o contínuo ciclo da comunicação porque são por estes frutos que as mensagens da comunicação são propagadas para além dos domínios das instituições e de seus comunicadores.

Por isso, tem-se que o trabalho de comunicação prospera com paciência e cuidado, como o de um agricultor. Ele deve tratar e diferenciar os diversos tipos de campos, com seus diversos públicos. Semear e cultivar as narrativas de valores, conceitos e mensagens institucionais adequadas para cada um deles. E cuidar, em longo prazo, para que germinem, floresçam e frutifiquem o respeito, a fidelidade e a confiança, fortemente enraizados em seus públicos.


1 Trecho inspirado na obra “Sermão da Sexagésima”, de Pe. Antônio Vieira. Disponível em: <
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action&co_obra=1745>. Acesso em: 08/02/2012.


Referências

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução: Marcos. Santarrita. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010. p.24-27.

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